domingo, 27 de agosto de 2017

A Loteria de Macaxeira Montgomer

 Foto: Patricia Zupo



Não consigo traduzir em palavras os sentimentos que me surgiram durante a entrevista com o Silvestre. Acho que foi um misto de identificação e admiração. Talvez empatia é a palavra que mais se aproxima. Há 16 anos eu sofri um acidente que me renderam 2 vértebras quebradas,  3 cirurgias, quase 1 metro de cicatrizes espalhadas pelas costas e algumas gramas de titânio que desde então sinto na carne e no osso a estadia deste metal dentro do meu corpo. Também fiquei com sequelas do acontecido, mas assim como Silvestre nos conta, as vezes os obstáculos são peças de um quebra cabeça gigante, que é impossível ser visto de onde estamos.  Mas assim são os palhaços, um misto de pluma e aço...as vezes literalmente! rs


O primeiro contato que tive com o Silvestre, foi uma mensagem que recebi sobre o desejo dele de participar do Festival Psicodalia, com a proposta de relatar em texto e vídeo a vivência de um participante portando necessidades físicas especiais. Naquela oportunidade ele já me contou que tinha a palhaçaria como ofício. Infelizmente não estava ao meu alcance tomar aquela decisão então passei a bola adiante, mas fiquei com o desejo de conhecer um pouco mais daquele artista e sua vivência.

Quando o Silvestre aceitou nosso convite para participar da  primeira série de entrevistas aqui no Blog, foi uma alegria imensa! Acreditamos que a sua experiência possa motivar a muitos companheiros que encontram-se em situações parecidas com a nossa, que tenham alguma espécie de limitação física, já que popularmente o teatro e a palhaçaria são artes que exigem muito do corpo do praticante. 



Silvestre Fernando Philippi Neto, tem 36 anos e mora em Curitiba. Durante a faculdade de Gestão da Informação na UFPR ele recebeu o apelido de Macaxeira e trilhando seu caminho no universo do palhaço, Macaxeira recebeu também um sobrenome Macaxeira Montgomer! Durante a faculdade começou a brincar com os malabares e parece que o bichinho circense picou ele, afinal a veia graciosa e cômica já vinha na genética. 

Em 2004 fez seu primeiro curso e assim iniciou-se oficialmente neste ofício, que para ele é uma profissão como outra qualquer, só que muito mais legal! risos A arte veio como um meio de vida e o palhaço como uma filosofia. 

Anteriormente Silvestre me contou que sua limitação física foi devido a uma enfermidade, então eu pedi para que ele nos contasse como tudo isso aconteceu, como foi lidar com o processo de recuperação e se a palhaçaria de alguma forma influenciou neste processo. 

"" Tive uma doença bastante rara, chamada mielite transversa, uma inflamação na medula espinhal. A doença curou rapidamente, mas ficaram sequelas. É como uma lesão na medula. Perdi todos os movimentos das pernas em junho de 2013. Venho me recuperando, mas sequelas serão permanentes. Minha sensibilidade é bastante alterada da cintura para baixo, ando sem sentir as pernas e sento sem sentir a bunda. Tenho dores crônicas 24h e constantes espasmos. No início, como tinha bastante experiência como Palhaço terapêutico em hospitais, sabia que não poderia me deixar afetar pelo ambiente, mas isso foi coisa rápida. Contudo, posso dizer que a palhaçaria e a arte como um todo ajudam na expressão e ao extravasar os sentimentos que vieram à reboque nisso tudo. Ajudou no entendimento da psique da alma, naquilo de conseguir tirar o peso da situação, entender o olhar do próximo e o preconceito como doença social a ser curada. Compreender as coisas com leveza e tirar um grande sarro do destino. Existe um olhar muito profundo que o palhaço faz disso, é quase intranscriível, pois leva a uma compreensão de que a graça afinal é saber que não tenho a necessidade de chorar, muito menos a de rir, pois ambas são somente um reflexo de algo que incompreensível, reflexo de sensações e sentimentos como o medo, raiva, angústia, compaixão... enfim, tudo aquilo que forma o ser humano. O que quero dizer é que o palhaço deve ter a capacidade de atuar como um títere das sensações humanas, compreender os sentimentos e elevar o estado de graça e a sensibilidade de quem o assiste. Acho que nesse sentido, a arte me ajudou a compreender que o que aconteceu comigo não tem culpado, só preciso batalhar pra continuar em frente. ""

Como é sabido a arte teatral e o ofício de palhaço, em geral, exigem um  pesado treinamento e condicionamento físico, então perguntei a Silvestre, quais foram os obstáculos que ele encontrou em seu trabalho após ele adquirir tais necessidades especiais. 

"" Muitos, estão todos ligados à coisa da vida comum também, como outros deficientes. Como palhaço, eu andava de monociclo, fazia micagens mil... dançava. Tinha uma grande disposição física e usava muito do quadril e das pernas para fazer graça. Praticava esportes e circo. Tinha uma performance física bem contundente. Com o acontecido quase tudo se foi. Estou me redescobrindo como artista. Posso dizer que tive de buscar mais refinamento. ""

Tendo em vista toda a experiência que Silvestre adquiriu em suas vivências, acredito que ele seja um exemplo de superação e ninguém melhor do que ele para nos deixar uma mensagem, principalmente para aqueles que enfrentam situações similares e que compartilham conosco a amor pela arte.

"" Não acredite nos obstáculos, eles não existem. São só peças de um gigante quebra-cabeças impossível de ser visto de onde estamos. Se é isso mesmo que você quer, busque sempre se aperfeiçoar, estudar, ler. A arte do palhaço deve abrir a cabeça e não fechar. É muito comum não perceber que a percepção se fechou. Beba de todas as fontes, de todas as artes, literatura, cinema, das ruas, teatros, circos. Da sociedade, do povo e das ciências. O palhaço abraça tudo, isso é a grande beleza e o que me emociona sempre, ser uma profissão que abraça todas as outras. Todavia merece e pede dedicação, saber se é realmente isso que se quer, afinal, no que se refere à dedicação, é uma profissão como outra qualquer, só que muito mais legal!

Dedico à vocês uma pequena poesia que escrevi assim que me decidi verdadeiramente ser palhaço.

Sou

Sou palhaço
Estico, flutuo, mudo de cor e desfaço.
Tenho tudo que tudo tem
Sou de doce e areia, pluma e aço.
Te roubo
Teu medo é o meu jogo, o tombo.
Rapto as dores
Me dou, eu sou, não escondo.
Tenho seus olhos
Riso e gesto, tempo e espaço.
Sou ridículo
Faço o truque e mostro o pato
Que tal meu mundo
Ria de mim, assumo que admito
erro e acerto
Minta sempre, eu acredito.

Assista no youtube um vídeo lindo chamado Loteria, que conta um pouco da história do Silvestre! 





Contatos:  
Silvestre Fernando Philippi Neto
Fone: (41) 998755903
Email: silvestrefpn@yahoo.com.br
Facebook - Silvestre Philippi Neto 
Blog: palhacomaca.blogspot.com.br 

Foto: Patricia Zupo




Redação de Rebeca Menegazzo Matiazi









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